Contos da Morte: Força interior
Era um grupo padrão de aventureiros. Havia o guerreiro habilidoso, cheio de gracejos, bravatas e piadas; o ladrão sorturno, de roupas escuras, olhar frio e poucas palavras; um bárbaro comilão, forte e inteligente como um pinico; o paladino mais justo e honesto do que jamais houve. E também tinha uma maga. Roupas coloridas, cabelos esvoaçantes, chapéu pontudo e sorriso cativante.
Aquele guerreiro se chamava Heitor e não tinha medo de nada, exceto de enfrentar o olhar doce da maga Istara. Mas depois de meses pensando em como fazê-lo, decorando falas e convites, ele tomou coragem. Foi até ela e ouviu o que mais queria ouvir. Agora eram um casal. Todos no grupo ficaram contentes. O paladino disse que um dia os levaria a um clérigo amigo seu, para fazer o casamento; o bárbaro pagou bebidas para todos, e o ladino desejou boa sorte com um sorriso, o que era mais do que qualquer um esperava. Semanas depois, em uma vila, o ladrão Jacques avisou que tinha uma missão pessoal a cumprir. Com olhar sério, disse adeus aos companheiros e não foi mais visto.
Os dias se passaram e, durante uma travessia em uma campina, o grupo foi atacado por um bando de mercenários. Aqueles quatro mandaram uma dúzia aos portões da morte antes deles próprios tombarem. Primeiro caiu o bárbaro, depois a maga foi neutralizada, o paladino foi derrotado e então o guerreiro também perdeu as forças. O bárbaro e o paladino já tinham partido para o outro mundo. Os mercenários amarraram Heitor e o deixaram ali, para ser comido vivo pelas feras. Pegaram a maga, a prenderam e a levaram ao seu senhor.
Os abutres começaram a voar cada vez mais baixo. Começaram a beliscar Heitor e seus amigos, não fazendo distinção entre os mortos e aqueles que ainda viviam. Os chacais chegaram e começaram a brigar pela sua carne. Ele sentiu a dor, sentiu o horror e viu a morte vindo buscá-lo.***
***
Andara era uma pequena garotinha de cabelos claros, quase rosados, se essa tonalidade fosse possível. Morava com os tios, depois que seus pais morreram. Um dia sua tia pediu que fosse à feira comprar frutas e cereais. Foi pelo caminho saltitando alegre, até que passou pela pequena ponte sobre o rio no meio da cidade. Olhou lá para baixo com curiosidade juvenil e achou engraçado quando viu algumas bolhas. As bolhas aumentavam e ela ergueu a sobrancelha, até que num único salto saiu de lá um lagarto enorme. O lagarto era o Vérnico, um réptil gigante de movimentos ágeis, cauda forte e boca faminta. Ele atacava pequenas cidades atrás de comida fácil e já havia feito uma bagunça rápida naquela vila algumas vezes, antes de ser afugentado pelos milicianos. Ele estava agora em cima da movimentada ponte, atacando os transeuntes com a cauda e tentando abocanhar algo. Andara se assustou muito e água começou a brotar do canto de seus olhos. Estava imobilizada pelo medo e quase era pisoteada pelas pessoas assustadas que corriam. O lagarto atacava quem passasse por perto e viu ali a garota, a escolhendo como sua próxima vítima. O pânico tomou conta dela, que começou a gemer e cerrar os dentes. O monstrengo estava próximo, quando a menina fechou com força os olhos e não viu mais nada. Não viu porque não era mais ela mesma.
Placas de aço negro sairam por de trás dela. Surgiram do lado e por baixo. Em um segundo não havia mais uma garotinha que cabelos rosados, havia apenas um gigante de material escuro e com lava incandescente surgindo nas juntas. Sua cabeça era como uma abóboda vazia, com apenas dois buracos preenchidos com chamas. Linhas de luz faziam alguns desenhos por todo seu corpo e vapores quentes saíam de dentro.
O Vérnico se assustou com aquilo, mas não teve tempo de fugir. O colosso vulcânico começou a surrá-lo com veemência. O lagarto, num momento de lampejo, atacou o gigante com o rabo, lançando-o no rio. O gigante — que há pouco era uma menininha indefesa — agarrou no réptil e o levou junto para a água. No fundo do rio a batalha continuou. O metal quente chiava em contato com a água e a fazia borbulhar. O Vérnico, em seu ambiente natural, tentava encontrar algum ponto fraco no oponente. No meio dos ataques daquela iguana gigante, o monstro de fogo pegou seu inimigo pela cabeça e começou a apertar, até que ele parou de se mexer.
A pessoas olhavam assustadas para o rio e respiraram aliviadas quando o corpo do temível lagarto apareceu boiando inerte e sendo levado pela correnteza. Na margem do rio, uma menininha sem fólego surgiu e muitos gritaram vivas. Ela andou meio tonta, esfregando os olhos e respirando fundo, até que viu sua tia.
Quando ela se aproximou, as mesmas pessoas que gritaram de alegria tomaram distância. Os olhares de medo e apreensão tomaram conta de suas faces. Sua tia não quis contato. Disse que ela era um monstro e que deveria ir embora.***
***
Fazia três semanas que Andara andava sozinha pelos ermos. A transformação aberrante nunca mais aconteceu de novo, mesmo tendo sido assaltada uma vez por gnolls e perseguida outra vez por goblinóides. Ela queria pensar que aquilo era um sonho. Queria voltar para os tios e ganhar mais uma chance. Dizer que não havia sido de propósito. Queria que a tia a abraçasse e a perdoasse por causar medo.
Continuou andando até que viu alguns homens reunídos em torno de uma fogueira. Pareciam um daqueles grupos de aventureiros heroicos que ela via eventualmente passando pela cidade. Ela decidiu ir até lá e pedir a companhia deles. Ficar protegida por algumas noites e conseguir voltar para casa. Os homens a receberam com alegria e o líder prometeu que a protegeria. Em sua alegria, ela o abraçou e sorriu. Um outro homem do bando disse que também queria um abraço. Um terceiro disse que ela seria dele essa noite e o líder avisou que seria o primeiro. Foi aí que ela notou que estava entre monstros piores do que gnolls ou goblins. Estava no meio de pessoas corrompidas e depravadas. Sentiu nojo deles e raiva de si mesma, por ter sido tão inocente.
Um daqueles homens a pegou pelo braço e começou a arrastá-la para sua barraca, enquanto ouvia risos e piadas dos companheiros. Andara quis voltar no tempo, quis morrer, quis que eles morressem. O homem abriu a pequena barraca e a empurrou para dentro. Olhou para trás rindo e fazendo menção de desafrouxar as calças. Se abaixou para entrar na barraca e viu que ela aumentava de tamanho. Lá dentro havia agora uma imensa armadura incandescente.
O líder do bando gritou para pegarem suas armas. Bradou comandos de batalha e logo aquele grupo de depravados dementes era um pequeno batalhão pronto para lutar. Mas aquelas formações táticas pouco importavam para o gigante. O colosso deu um soco chamuscado no homem que o arrastou para fora da barraca e o fez cair com o rosto deformado. Os outros tombaram com um ou dois murros, até que só sobrou um, o líder. Era um oponente mais forte, se esquivando e lutando com força. Ele então armou um ataque fatal, que foi barrado por um soco da armadura negra. A luta continuou até que o gigante de lava conseguiu flanqueá-lo. Só um soco foi necessário. O líder do bando derrotado caiu de joelhos e fechou os olhos esperando a morte. O gigante não hesitou e tirou a vida com um golpe carregado de ódio.***
***
Andara era outra vez uma garotinha chorona. Estava num canto, assustada por ser quem era, por ter feito aquilo tudo e por não saber para onde ir. Estava perdida e queria sumir da existência. A morte parecia uma boa saída, mas ela não tinha coragem para isso.
Mas mesmo sem ir atrás da morte, a morte veio até ela. Um cavaleiro de vestes pretas, com uma enorme gadanha e montado num corcel zaino veio até ela. Quando se aproximou, seu cavalo bufou com vigor e ele puxou o capuz, revelando um crânio branco e limpo.
— Você veio me buscar? — perguntou Andara. O cavaleiro sorridente, como são as caveiras, respondeu:
— Isso mesmo, gracinha. Sobe na garupa que a viagem é longa.
***
Andara
F0, H1, R0, A0, PdF0, 10 PVs, 1 PM; Aparência Inofensiva, Forma Alternativa (Colosso Vulcânico), Pontos de Vida Extras; Fúria, Má Fama.
Colosso Vulcânico
F2 (fogo), H1, R0, A2, PdF0, 10 PVs, 1 PM; Kit Berserker, Forma Alternativa (Andara), Fúria Poderosa (K; F+2 e R+1 em Fúria, aumentando PVs e PMs), Pontos de Vida Extras; Fúria, Má Fama, Monstruoso.
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